Perdão, presidente! (Ou: Ensaio sobre a cegueira)
RICARDO NOBLAT
Peço desculpas públicas ao presidente da República por ter criticado seu comportamento diante da crise que abala o Senado e ameaça o mandato do senador José Sarney.
Precipitei-me. Fui leviano. Imaginei ter visto Lula interferir várias vezes na vida do Senado - antes da crise irromper e com ela em curso.
Antes: quando Tião Viana (PT-AC) foi ao Palácio do Planalto e saiu de lá com o sinal verde dado por Lula para disputar a presidência do Senado.
Antes: quando Sarney foi a Lula e jurou três vezes que não seria candidato.
Antes: quando Sarney voltou a Lula e disse que seria candidato atendendo a uma convocação do PMDB.
Antes: quando Lula então abandonou Tião e ficou com Sarney.
Depois que a crise foi detonada: quando ele afirmou que Sarney era uma pessoa incomum e que, portanto, merecia ser tratado como uma pessoa incomum.
Depois: quando ele disse e repetiu várias vezes que o Senado não poderia ser paralisado por denúncias publicadas diariamente pelos jornais - e desdenhou delas.
Depois: quando ele mandou Dilma Rousseff avisar a Sarney que o apoiaria para o que desse e viesse.
Depois: quando ele forçou o PT no Senado a mudar de posição e esquecer o pedido para que Sarney se licenciasse do cargo.
Depois: quando ele escalou o ministro José Múcio Monteiro, das Relações Institucionais, para desautorizar o líder do PT Aloizio Mercadante que voltara a defender a licença de Sarney.
Foi tudo um tremendo engano da minha parte. E não me consola o fato de que a maioria dos meus colegas também se enganou.
Fomos vítimas de um ataque de cegueira coletiva.
Lula disse hoje, irritado, que nada tem a ver com a crise do Senado. E disse também que a permanência de Sarney na presidência do Senado não é problema dele.
Foi uma declaração coerente com com suas atitudes recentes.
Sarney foi devolvido ao estágio anterior de homem comum.
Perdão, presidente!
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