A Travessa da Saudade estava abismada com o siribôlo na casa da Dona França, a Viúva, que acoitava aquela ruma de cearenses. O berreiro, porém, vinha da casa de trás, alugada àquela penca de vendedores de colchas de chanil e de redes.
Eram marromeno 5 e Meia da tarde quando terminara a pelada e o pau -de- arara saira rumo à Praia da Base, onde, de costume, todos iam se assear e, depois, voltavam pra casa, pra assistirem à Bola é Nossa. Mas, naquele dia, logo à boquinha da noite, Nascimento teve caé.
Mal deu três passos dentro dágua, o esporão da arraia encastuou-se ao seu mocotó, fazendo um banzeiro de sangue medonho e obrigando a todos a voltarem abirobados pra casa.
Ninguém ali sabia nada de arraia além de que a dor do ferrão dura 24 horas, sem remédio alopático, pelo menos àquele tempo, conhecido. E que aquela seria uma noite marcada para sempre na vida de Nascimento, o ferrado, e para toda a rua, que ouvia compadecida aos gritos de “Ai Mamãe!” de tamanho homem, um negão que era um lerdo, virado um bruguelo que levou um golpe de caco de vidro.
Lá pelas tantas, Nascimento, todo breado de lágrimas, plantava bananeira na casa da Dona França, que, toda solidária, não negava assistência ao moribundo. Foi quando partiu, sabe- se lá de quem, a idéia de que pra ferrada de arraia só havia um remédio, e esse remédio estava na natureza. Na natureza da mulher, melhor dizendo.
Segundo a prescrição, alguma voluntária teria que......teria que...bem, teria que passar a coisa, o troço, aquilo lá...teria que passar o bicho, polindo o pé ferrado.
Buscou-se na Travessa da Saudade a fada, aquela que faria a caridade, mas, com a recusa das primeiras aceradas, a dor de Nascimento só aumentava, mista da peçonha da arraia da Praia da Base e da rejeição ao seu apelo dramático: - Alguém, pelamor de Deuso, avie e arrume uma mulher que passe o bicho em cima dessa pereba danada! clamava.
Foi quando sugeriram: - Arre, vamos pedir à Mulher do Seu Givaldo!
Seu Givaldo tinha ido de Setentinha a Sena Madureira e nem naquela pelada estivera, mas tanto fazia: o importante era que a mulher dele estava ali e a dor do Nascimento só aumentava com o avançar da noite, e ninguém sequer tinha se lembrado de assistir A Bola é Nossa.
A reca de pedintes foi ter com a jovem senhora.
Foram tantos os pedidos, tão singelos, tão sofridos que ela dominou seu asco: - Tá! assentiu, convencida de que a causa era nobre e( Pelamor de Deus!), que é que custava passar aquilo lá...lá?
Puxaram um tamborête, treparam o pé ferrado de arraia do Nascimento e a ordem na casa foi de que todos deveriam arredar, pois naquela hora a Mulher do Seu Givaldo executaria o ritual de cura.
Ninguém diz que foi testemunha da “Dança da garrafa”, mas a jovem senhora era a alegria da meninada da Travessa da Saudade. Seus cabelos negros longos de dançarina flamenca encobriam as costas brancas quase sempre desnudas, que eram a antítese do seu plexo, ornado por dois volumes recheados, mode dois obeliscos furando a pracinha em frente ao Palácio do Governo. Arre!
Nascimento gritava, estribuchava e gemia como se houvera comido maionese azêda.
De repente, porém, fez- se um silêncio sepulcral.
A partir de então, a Travessa da Saudade fechou-se em copas.
Ninguém falava sobre o ritual de cura da ferrada de arraia do pé do Nascimento protagonizado pela caridosa Mulher do Seu Givaldo. A omissão dolosa porém solidária impestava o ar da vizinhança de cumplicidade e...medo. Afinal, Seu Givaldo iria voltar de Sena e, mais cedo ou mais tarde, alguém daria com a língua nos dentes.
Vrrummmmm! Vruuummmmm!
A Setentinha riscou os tijolos da Travessa da Saudade numa tarde calourenta uns dois dias depois, Nascimento curadíssimo.
Quando o viajante entrou em casa, a pura jovem senhora, num suspiro de ingenuidade e inocência, contou- lhe o feito caridoso.
Seu Givaldo, do alto dos seus quase 1 metro e 60 centímetos de altura, começou a açoitar a esposa ainda dentro da pequena casa, onde rasgou-lhe as vestes, e ela, amedrontada, ganhou o terreiro sem corpête.
A mulher ganhou a rua, azunhada e puxada pelos cabelos longos negros, chorando mais do que o Nascimento no dia da ferrada, mas uma geração inteira naquele noite deleitou-se com o infortúnio dela, que exibia atubibada tudo o que só Seu Givaldo havia visto de perto, se é que o Nascimento também não olhou naquela memorável noite da ferrada de arraia.
Não fosse pela mão de peia da pobrezinha, até hoje os meninos da Travessa da Saudade se banhariam na Praia da Base, onde a ferrada de arraia passou a ser naquele tempo uma aspiração praticamente coletiva.
Mas por causa daquele episódio foi que se veio saber que o que a Mulher do Seu Givaldo passou na ferrada de arraia do Nascimento é também santo remédio para qualquer outra enfermidade, Amém!
MINIDICIONÁRIO DE ACREANÊS
ABISMADA – Admirada
SIRIBÔLO – Evento festivo
ACOITAVA – Hospedava; dava guarida
BERREIRO – Gritaria; choro alto
CHANIL – Tecido chenille
MARROMENO – Mais ou menos
PAU-DE-ARARA – Caminhão lotado de nordestinos
A BOLA É NOSSA – Programa de esportes da antiga TV Acre, apresentado pelo saudoso repórter Campos Pereira
BOQUINHA DA NOITE – À noitinha
CAÉ – Azar
ENCASTUOU-SE – Encaixou- se; ligou-se
MOCOTÓ – Tornozelo
BANZEIRO – Movimento de águas; ocorrência
ABIROBADOS – Atordoados
LERDO – Grandão; lento
BRUGUELO – Bebezinho
GOLPE – Corte; furo
BREADO – Embebido; melado; encharcado
PLANTANDO BANANEIRA – de ponta cabeça
ACERADAS –Assediadas
AVIE –Se apresse!
SETENTINHA – Moto de 70 cilindradas
RECA – Turma
TAMBORÊTE – Banquinho de madeira
ARREDAR – Afastar
MODE – À moda; tal e qual
IMPESTAVA – Infestava
CORPÊTE – Suitã
AZUNHADA – Arranhada por unhas
ATUBIBADA- Desnorteadas, nervosa
BIG BROTHER DO BINHO
PEDRO MIAU
Nossos heróis continuam até o pescoço na Casa mais animada do Acre.
Esta semana a paz voltou a reinar entre a equipe tucana, ao que tudo indica já por causa da nova política de segurança pública da Big Sister Márcia do Julhinho.
Edy Zé Gipty pegou Dengue na Casa mais epidemiológica do Brasil e a Equipe da Fundhacre está no próximo Paredão acusada pela imprensa extraoficial marron e desobediente de sovinar medicamento ao Big Brother Bão, pai do Binho.
Bão Marques só queria uma “Azulzinha”, mas o sistema público de saúde não é como o de Comunicação, e brochou.
Vamos continuar espiando, grampeando, obrando e andando.
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